A afirmação categórica é de Sergi Vizoso-Sansano, químico e economista, atual presidente do Conselho de Administração da CropLife Latin America, associação que representa as empresas de pesquisa e desenvolvimento do setor agroquímico. Sergi possui uma carreira de mais de 20 anos na BASF, e atualmente ocupa o cargo de Vice-Presidente Sênior da Divisão de Soluções para Agricultura da América Latina.
Confira a entrevista sobre os desafios do setor em tempos de pós-pandemia
Outubro 2021
Quais são os desafios e oportunidades do setor?
Por um lado, tem a questão de produzir com sustentabilidade, isso já é feito e podemos melhorar sempre; estamos atentos e a cada dia todo o setor trabalha para melhorar nossas práticas, nossas tecnologias. A sustentabilidade será um dos nossos focos e também receberá maior atenção da sociedade. Um segundo elemento, que é uma grande oportunidade, está intimamente ligado ao mundo digital. Com a pandemia, a mudança digital e a aceitação de tudo o que é digital se aceleraram. Para mim, a agricultura digital será a agricultura do futuro. Podemos ajudar com tecnologias digitais para fazer aquele trabalho tão complicado e importante do agricultor.
Qual é o maior desafio para a agricultura digital ser adotada?
O desafio que enfrentamos é a aceitação e adoção por todos os agricultores, independentemente de seu tamanho e localização. Hoje vemos que temos problemas de conectividade em muitas partes da América Latina. Também temos que avançar na forma como esses agricultores trabalham com essas tecnologias, como as entendem, as percebem para que as ferramentas digitais possam realmente ajudá-los a ter uma produção ainda mais lucrativa e sustentável.
Além da conectividade e aceitação pelos produtores rurais, você acha que é necessário modernizar a legislação que permite a entrada de novas tecnologias, como a agricultura digital?
A inovação é a base da nossa indústria. Agricultura sem inovação não existe e o uso de tecnologias na produção de alimentos é fundamental. No entanto, são necessários marcos regulatórios que permitam o acesso e a adoção das inovações. As leis que regem nosso setor devem responder às demandas e necessidades do mercado atual e também ao futuro e, acima de tudo, devem levar em conta a base científica em que se baseia nossa tecnologia. Estamos vendo que os governos às vezes demoram muito para criar novas leis, ou mesmo, quando existe uma legislação em vigor, demoram muito para implementá-la. A capacidade de fazer cumprir a legislação é muito importante para garantir que a tecnologia e a inovação cheguem aos nossos mercados a tempo. Isso é muito importante porque afeta a competitividade do nosso agricultor, que é em grande parte um agricultor exportador.
Quais são as questões pendentes para regular?
A regulamentação de produtos biológicos, ou a regulamentação do uso de tecnologias que já são utilizadas em outras indústrias e que agora são utilizadas na agricultura. Em outras áreas, talvez devido à ausência de conhecimento ou cautela, existe um excesso de regulamentação. Todos esses elementos às vezes fazem com que as tecnologias não cheguem rapidamente aos nossos agricultores e os tornem menos competitivos.
Como uma indústria de pesquisa e desenvolvimento, vocês se sentem confortáveis com a proteção a propriedade intelectual?
As empresas de pesquisa e desenvolvimento investem um capital muito forte, ano após ano, no desenvolvimento de novas tecnologias e para dar continuidade a essa roda de criação de inovação na agricultura precisam de leis que as protejam. Às vezes, essa inovação não é protegida, ou é protegida no papel, mas não na prática. O respeito pelas leis é um desafio que temos em todo o mundo.
A sustentabilidade hoje é um dos temas centrais da agenda global. Como você a definiria?
Sustentabilidade é poder continuar com a atividade agrícola indefinidamente, e isso implica que seja economicamente rentável porque se eu não conseguir viver, um dia a deixo; que realmente permita trazer e distribuir riquezas na sociedade; e também que tenha respeito e cuidado com o meio ambiente, a fauna, a flora, a água, porque se acabarmos com a terra, também não haverá agricultura. Temos que encontrar o equilíbrio desses três grandes pilares, só através desse equilíbrio seremos capazes de produzir alimentos de forma contínua e sustentável.
Outro dos temas globais que impactam a América Latina é o Pacto Verde ou Green Deal e a política europeia Do Campo à Mesa ou Farm to Fork, que apontam para uma maior sustentabilidade, qual é a sua visão?
O Green Deal, que vai além da agricultura, é uma visão político-econômica, industrial para a Europa, onde a sustentabilidade tem um peso muito relevante. Acredito que podemos nos unir em busca de um objetivo comum como indústria, e esse objetivo tem que ser avançar rumo a uma produção agrícola mais sustentável. Então, podemos discutir como. O como faz parte do diálogo. O Farm To Fork, que é mais específico para o mundo agrícola, está em linha com os esforços que temos como indústria para transformar este setor no mundo para que seja mais sustentável.
Como fazer essa transição para uma agricultura mais sustentável?
Gostaria que tivéssemos um lugar na mesa de diálogo para apresentar nosso ponto de vista. Somos uma região meramente exportadora, que exporta muito para a Europa, e acredito que também temos que ter um lugar na forma como vamos fazer essa transição. Já temos missões diplomáticas da América Latina que estão trabalhando nesse sentido, em criar, em abrir esses caminhos de diálogo com nossos pares europeus, para também mostrar a eles o que já estamos fazendo na América Latina. Temos que explicar o que fazemos, já temos legislação para tornar a agricultura mais sustentável. Temos a região com maior uso de plantio direto no mundo, o que é uma prática sustentável muito bem desenvolvida e reconhecida.
Diferenciar as necessidades da agricultura tropical das sazonais na Europa é uma das questões que a política europeia deve considerar. Por quê?
A pressão de doenças, plantas daninhas e pragas é muito maior em nossas áreas tropicais. Por isso nós, nas empresas que são representadas pela CropLife Latin America, também desenvolvemos soluções diferenciadas para as necessidades da agricultura de cada um dos países. Portanto, não é surpreendente que tenhamos produtos diferentes em países diferentes. Mesmo na Europa, os produtos mudam. Porque o que você precisa no norte da Alemanha é diferente do que você precisa no sul da Espanha ou na Itália, por exemplo. É diferente para a mesma cultura porque o ambiente é diferente. Ou seja, a agricultura com necessidades diferenciadas requer tecnologias adaptadas às necessidades locais.
Outro assunto que vocês vêm trabalhando é destacar o impacto do comércio ilegal de insumos agrícolas: qual é a situação na América Latina?
A questão do comércio ilegal de produtos agrícolas ou insumos agrícolas é um problema global. As Nações Unidas estimam - porque não há dados concretos - que mais ou menos o mercado ilegal chega a 20 ou 30% do mercado regulado de insumos agrícolas. Estamos diante de um problema, de uma realidade que temos que trabalhar. Aqui, a fiscalização desempenha um papel direto e importante. As pessoas, os criminosos, deixe-me usar a palavra, que estão fazendo isso, eles fazem isso conscienciosamente. Eles sabem muito bem que o que estão fazendo é uma prática ilegal e, portanto, deve ser tratada como crime. E não me preocupo apenas com a parte econômica, também me preocupo com a saúde e o meio ambiente. Acho que as autoridades teriam que assumir uma posição muito mais firme.
Como você vê a agricultura no cenário pós-pandêmico?
Vivemos em uma época em que as oportunidades para a agricultura nunca foram tão grandes. Ficou demonstrado durante a pandemia que o agro e a agroindústria, que não parou, é uma das poucas coisas realmente necessárias nesta vida. Pode-se decidir comprar carro ou não, reformar a casa ou não, mas a alimentação é uma necessidade básica. Em geral, acredito que a América Latina, se pensarmos no mundo agroalimentar, tem um potencial impressionante. Eu realmente acho que temos um bom futuro pela frente.